quinta-feira, 4 de setembro de 2008

RUSSIA,OSSÉDIA DO SUL,GEÓRGIA











O mais novo conflito na região do Cáucaso nos leva de volta a alguns dos maiores dilemas da geopolítica mundial, desde a publicação da Carta das Nações Unidas, em 1945. O documento, que criou o conceito de legislação internacional e pretendia colocar ordem em um mundo que havia chegado ao fundo do poço com a Segunda Guerra, estabeleceu direitos e deveres. Mas muitas vezes estes entram em choque, e o resultado é ou uma crise política ou um conflito armado.
Logo em seu capítulo 1, no primeiro artigo, a Carta da ONU fala no "princípio da auto-determinação", segundo o qual um povo tem o direito de decidir como e por quem será governado. Esse princípio baseou a onda de independências das colônias africanas a partir da década de 60, colocando um fim no neocolonialismo europeu, e continua sendo citado por comunidades que querem ser donas do seu próprio destino. Mas logo no segundo artigo a Carta da ONU defende a "integridade territorial" dos Estados membros contra o uso da força. Com dois direitos que podem muitas vezes entrar em conflito, a história tem provado nas últimas seis décadas que geralmente prevalece o princípio defendido pelo lado mais forte. E, desde o desaparecimento da União Soviética, o lado mais forte costuma ser aquele apoiado pelos Estados Unidos, potência que pode um dia apoiar o conceito de integridade territorial e no dia seguinte o de auto-determinação. Cada caso é um caso.
A história recente da Ossétia do Sul tem semelhanças com a de Kosovo. As duas regiões, com tradições culturais próprias, diferentes das dos países a que pertencem (ou pertenciam), se aproveitaram do colapso do bloco comunista europeu para buscar a independência. O início dos anos 90 foi de salve-se quem puder atrás da Cortina de Ferro, e aquele que foi mais rápido e eficiente conseguiu sua independência. Nessa onda, nem Kosovo nem Ossétia do Sul conseguiram se desligar de, respectivamente, Sérvia e Geórgia. Mas ambas tornaram-se independentes na prática, sob a supervisão de tropas estrangeiras. No caso de Kosovo, a independência, defendida pelos Estados Unidos, foi declarada recentemente e reconhecida por Washington. Já no caso da Ossétia do Sul, o governo americano tem preferido defender a integridade territorial da Geórgia, seu aliado. Vale lembrar que a independência de Kosovo deu-se depois que, em 1999, a Otan atacou um outro país soberano, a então Iugoslávia, sem autorização do Conselho de Segurança da ONU, mesma acusação que pode ser feita agora à Rússia.
Na época do reconhecimento de Kosovo independente, o então presidente e hoje primeiro-ministro russo, Vladimir Putin, acusou o Ocidente de dois pesos e duas medidas. Ele classificou a independência da província sérvia de "ilegal e imoral" e afirmou que ela poderia ter implicações em outros casos de desejada auto-determinação, como Abecásia e Ossétia do Sul. Não deu outra. O presidente da Geórgia, Mikhail Saakashvili, calculou mal, invadiu a separatista Ossétia do Sul e foi devorado pelo urso vizinho. A Rússia humilhou o Exército georgiano e deixou os ossétios do sul e os abecásios mais perto da independência ou da anexação por Moscou.
Por que defender a independência de Kosovo e não a das regiões da Geórgia? O que faz com que a integridade territorial da Geórgia seja inviolável e não a da Sérvia? E a da Grã-Bretanha? Ou a do Sudão? Teria a Geórgia o direito de usar a força contra comunidades dentro do seu território? Se tiver, teria também o Sudão, contra a província de Darfur? Se há genocídio em Darfur, como dizem os Estados Unidos, teria havido genocídio na Ossétia do Sul, como acusa a Rússia? Onde termina o direito à auto-determinação de um povo e começa o direito à integridade territorial do Estado? Ou vice-versa?
São perguntas para as quais a Carta das Nações Unidas não tem resposta. O mundo se organizou politicamente em Estados nacionais, mas em muitos casos as nações não correspondem exatamente às fronteiras que encontramos nos mapas. Nos graves casos de dúvidas ou interesses conflitantes, a comunidade internacional (especialmente as grandes potências) tem de se reunir, negociar com as partes envolvidas e tentar chegar a uma decisão aceita por todos. A Rússia acaba de deixar claro que a sua opinião merece ser sempre levada em consideração. Cuidadosamente.

FONTE: www.com4.com.br

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